A música “Sampa”, de Caetano Veloso, é um símbolo da cidade de São Paulo, tendo completado 47 anos em 2025. A canção foi composta em 1978 para um programa de televisão em comemoração ao aniversário da capital paulista, que neste sábado (25) celebra 471 anos. No último show que fez na cidade, em 18 de dezembro, no Allianz Parque, o músico baiano entoou o clássico ao lado de sua irmã Maria Bethânia.
A composição surgiu de um momento de reflexão do artista sobre a cidade, onde ele buscou inspiração em suas vivências e impressões sobre a metrópole. A famosa esquina das avenidas Ipiranga e São João, que se tornou um cartão postal do imaginário nacional, foi um dos locais ajudaram nos versos da música. O compositor afirma que esse cruzamento era próximo à sua casa, o que o fez refletir sobre a cidade e sua cultura.
O baiano ressalta que a canção “Ronda”, de Paulo Vanzolini, também foi uma grande influência para a composição. Segundo o tropicalista, “‘Ronda’ é uma canção que é o retrato de São Paulo”. A melodia de “Ronda” é inclusive citada em “Sampa”. Apesar de a música ter sido inspirada em São Paulo, o artista revela que ela foi escrita no Rio de Janeiro e surgiu em um dia em que o filho de Dona Canô escrevia sobre a metrópole, demonstrando como as impressões e memórias de um lugar podem ser recriadas em outro contexto.
Ao chegar a São Paulo, nos anos 1960, Caetano teve uma impressão inicial que ele descreve como “feia” e “provinciana”, com cartazes de cinema de “mau gosto”, o que ele afirma ter influenciado a crônica da época que é expressa em “Sampa”. Também comenta que sua experiência na cidade era limitada a um ambiente de classe média baixa, o que o levou a perceber uma certa “deselegância” nas pessoas. No entanto, o artista reconhece que a cidade se transformou ao longo do tempo, com a “paulistana” se tornando mais “pop” e elegante. Segundo o compositor, os comentários sobre a cidade presentes na canção se tornaram menos “indiscutíveis” com o tempo.
Apesar das críticas e impressões iniciais sobre a cidade, o baiano reconhece a importância de São Paulo em sua trajetória e na história da música popular brasileira. “Sampa” não é apenas uma canção sobre a metrópole, mas também uma reflexão sobre a experiência de um artista que se relaciona com um lugar novo. A música celebra a identidade cultural da cidade, suas transformações, sua complexidade e também as contradições da capital paulista.
Sampa
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes
Afasta o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa