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Mano Brown canta ‘Diário de um Detento’ e compara massacre do Carandiru a ação da PM no Rio

Em show em Los Angeles, rapper do Racionais MC’s lembrou da tragédia de 1992 e comparou com situação do RJ

Mano Brown em show do Racionais MC's no Sunset Room Hollywood, em Los Angeles, nos Estados Unidos | Matheus Mesquita - 1º.nov.2025/Divulgação
Mano Brown em show do Racionais MC's no Sunset Room Hollywood, em Los Angeles, nos Estados Unidos | Matheus Mesquita - 1º.nov.2025/Divulgação

Durante um show do Racionais MC’s em Los Angeles, no último sábado (1º), Mano Brown comparou a recente operação policial nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, ao massacre do Carandiru. A manifestação aconteceu durante a execução de “Diário de um Detento”, um dos principais sucessos do grupo.

A canção, lançada no álbum “Sobrevivendo no Inferno” (1997), é um relato sobre a rebelião que levou à invasão da Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru, em outubro de 1992, e que resultou na morte de 111 detentos pela Polícia Militar.

“Aconteceu em São Paulo, mas aconteceu no Rio de Janeiro agora”, disse o cantor na introdução da música. “Aí fica a pergunta: o que o Brasil quer? O Brasil quer sangue ou o Brasil quer paz? A pergunta que não quer calar”, lançou. A comparação foi feita em referência à operação realizada pelo governo do Rio em 28 de outubro contra o Comando Vermelho. A ação deixou 121 mortos, sendo 117 civis e quatro policiais, superando os números do próprio Carandiru e se tornando a mais letal da história do Brasil.

O posicionamento ecoa as críticas feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que, em entrevista a veículos internacionais nesta terça-feira (4), descreveu a operação como “matança” e “desastrosa”.

“O dado concreto é que a operação do ponto de vista da quantidade de mortes as pessoas podem considerar que ela foi um sucesso, mas do ponto de vista da ação do Estado, eu acho que ela foi desastrosa”, declarou o presidente. “Nós inclusive estamos tentando ver se os legistas da Polícia Federal participam da investigação do processo. Vamos ver se a gente consegue fazer essa investigação porque a decisão do juiz era uma ordem de prisão, não tinha uma ordem de matança, e houve a matança. Acho bom especificar em que condições ela se deu”.

Formado em 1988 em São Paulo, o quarteto composto por Mano Brown, KL Jay, Ice Blue e Edi Rock se tornou um dos pilares da cultura urbana no Brasil, com uma trajetória marcada pela denúncia social e resistência. Ao longo de mais de três décadas, eles construíram uma obra que se tornou a trilha sonora de gerações, com álbuns como “Raio X do Brasil”, “Sobrevivendo no Inferno” e “Nada Como um Dia Após o Outro Dia”.

Ice Blue (esq.), Mano Brown (centro) e Lino Krizz em show do Racionais MC's no Sunset Room Hollywood, em Los Angeles, nos Estados Unidos | Matheus Mesquita - 1º.nov.2025/Divulgação
Ice Blue (esq.), Mano Brown (centro) e Lino Krizz em show do Racionais MC’s no Sunset Room Hollywood, em Los Angeles, nos Estados Unidos | Matheus Mesquita – 1º.nov.2025/Divulgação

Vozes contra a violência

A manifestação do Racionais MC’s não foi um ato isolado no meio artístico. Outros músicos também usaram seus palcos para se posicionar sobre o episódio que marcou a semana no Rio de Janeiro, transformando seus shows em espaços de reflexão.

Também no sábado (1º), o rapper Criolo interrompeu sua apresentação em Salvador para ler uma mensagem de paz projetada no telão. O texto trazia frases diretas como “Quem patrocina o crime organizado não mora na favela” e “Chega de guerra, a favela pede paz”, lidas pelo rapper de forma didática.

Um dia antes, na sexta-feira (31), foi a vez de Marisa Monte dedicar parte de seu show na capital fluminense às vítimas. A artista, que é carioca, fez um desabafo emocionado sobre a violência que atravessa o cotidiano da cidade.

“A gente teve uma semana muito difícil, para todos nós que sentimos a dor de quem tem um cotidiano atravessado pela impotência humilhante da violência. Eu sou carioca, essa cidade é a minha casa. Espero que a música e a arte possam unir nossos corações aqui hoje e possam mostrar para nós um caminho da esperança de dias melhores”, disse a cantora.

DJ DanDan (esq.) e Criolo em show do rapper paulista na Conha Acústica, em Salvador | 1º.nov.2025/Divulgação
DJ DanDan (esq.) e Criolo em show do rapper paulista na Conha Acústica, em Salvador | 1º.nov.2025/Divulgação

Turnê nos EUA

O Racionais MC’s voltou aos Estados Unidos pela segunda vez neste ano para agenda, que incluiu a estreia do grupo em Hollywood. O show de sábado (1º) no Sunset Room, em Los Angeles, reuniu um público diverso de brasileiros, latinos e fãs de rap norte-americano. Na noite anterior, sexta-feira (31), a banda já havia se apresentado no La Scala, em Miami.

Esses shows se somam a outras apresentações que o grupo fez nos Estados Unidos em julho deste ano. Naquela ocasião, eles tocaram em cidades com forte presença da comunidade brasileira, como Elizabeth (Nova Jersey) e Worcester (Massachusetts), reforçando a conexão com a diáspora.

Novo álbum

Enquanto fazem algumas perfomances, o Racionais MC’s está em meio à produção de seu primeiro álbum de inéditas em mais de uma década. O último disco do grupo foi “Cores & Valores”, de 2014, e a expectativa para o novo trabalho é alta.

Em julho, durante a passagem por Nova York, o grupo se encontrou em estúdio com o lendário rapper Busta Rhymes. Embora não confirmada como uma colaboração musical, a reunião alimentou as especulações de que o novo disco pode trazer participações internacionais.

Ice Blue revelou que o novo projeto pode ser grandioso, com até 36 faixas, e contará com diversas colaborações. “É o jeito novo de fazer música. Você faz uma parte, chama um amigo, todo mundo entra no jogo”, comentou o rapper sobre o processo criativo.

A lista de participações nacionais já confirmadas mostra a amplitude do projeto, unindo diferentes gerações e estilos do rap e da música brasileira. Nomes como Criolo, Seu Jorge, Djonga, L7nnon, MC Hariel, MC IG, KayBlack, Kyan, Rincon Sapiência e Rael devem fazer parte do disco.

Assista ao clipe de ‘Diário de um Detento’

YouTube video

Letra – Diário de um Detento, Racionais MC’s

São Paulo, dia 1º de outubro de 1992, oito horas da manhã
Aqui estou, mais um dia
Sob o olhar sanguinário do vigia
Você não sabe como é caminhar com a cabeça na mira de uma HK
Metralhadora Alemã ou de Israel
Estraçalha ladrão que nem papel
Na muralha, em pé, mais um cidadão José
Servindo o Estado, um PM bom
Passa fome, metido a Charles Bronson
Ele sabe o que eu desejo
Sabe o que eu penso
O dia ‘tá chuvoso o clima ‘tá tenso
Vários tentaram fugir, eu também quero
Mas de um a cem, a minha chance é zero
Será que Deus ouviu minha oração?
Será que o juiz aceitou a apelação?
Mando um recado lá pro meu irmão
Se tiver usando droga, ‘tá ruim na minha mão!
Ele ainda ‘tá com aquela mina
Pode crer, moleque é gente fina
Tirei um dia a menos ou um dia a mais, sei lá
Tanto faz, os dias são iguais
Acendo um cigarro, e vejo o dia passar
Mato o tempo pra ele não me matar
Homem é homem, mulher é mulher
Estuprador é diferente, né?
Toma soco toda hora, ajoelha e beija os pés
E sangra até morrer na rua 10
Cada detento uma mãe, uma crença
Cada crime uma sentença
Cada sentença um motivo, uma história de lágrima
Sangue, vidas e glórias, abandono, miséria, ódio
Sofrimento, desprezo, desilusão, ação do tempo
Misture bem essa química
Pronto, eis um novo detento
Lamentos no corredor, na cela, no pátio
Ao redor do campo, em todos os cantos
Mas eu conheço o sistema, meu irmão, hã
Aqui não tem santo
Rá’tá’tá’tá preciso evitar
Que um safado faça minha mãe chorar
Minha palavra de honra me protege
Pra viver no país das calças bege
Tic, tac, ainda é 9:40
O relógio da cadeia anda em câmera lenta
Ratata’tá, mais um metrô vai passar
Com gente de bem, apressada, católica
Lendo o jornal, satisfeita, hipócrita
Com raiva por dentro, a caminho do Centro
Olhando pra cá, curiosos, é lógico
Não, não é não, não é o zoológico
Minha vida não tem tanto valor
Quanto seu celular, seu computador
Hoje, ‘tá difícil, não saiu o sol
Hoje não tem visita, não tem futebol
Alguns companheiros têm a mente mais fraca
Não suportam o tédio, arruma quiaca
Graças a Deus e à Virgem Maria
Faltam só um ano, três meses e uns dias
Tem uma cela lá em cima fechada
Desde Terça-feira ninguém abre pra nada
Só o cheiro de morte e Pinho Sol
Um preso se enforcou com o lençol
Qual que foi? Quem sabe? Não conta
Ia tirar mais uns seis de ponta a ponta
Nada deixa um homem mais doente
Que o abandono dos parentes
Aí moleque, me diz então, cê qué o quê?
A vaga ‘tá lá esperando você
Pega todos seus artigos importados
Seu currículo no crime e limpa o rabo
A vida bandida é sem futuro
Sua cara fica branca desse lado do muro
Já ouviu falar de Lúcifer?
Que veio do inferno com moral
Um dia no Carandiru, não ele é só mais um
Comendo rango azedo com pneumonia
Aqui tem mano de Osasco, do Jardim D’Abril, Parelheiros
Mogi, Jardim Brasil, Bela Vista, Jardim Angela
Heliópolis, Itapevi, Paraisópolis
Ladrão sangue bom tem moral na quebrada
Mas pro Estado é só um número, mais nada
Nove pavilhões, sete mil homens
Que custam trezentos reais por mês, cada
Na última visita, o neguinho veio aí
Trouxe umas frutas, Marlboro, Free
Ligou que um pilantra lá da área voltou
Com Kadett vermelho, placa de Salvador
Pagando de gatão, ele xinga, ele abusa
Com uma nove milímetros embaixo da blusa
Aí neguinho, vem cá, e os manos onde é que ‘tá?
Lembra desse cururu que tentou me matar?
Aquele puta ganso, pilantra corno manso
Ficava muito doido e deixava a mina só
A mina era virgem e ainda era menor
Agora faz chupeta em troca de pó!
Esses papos me incomoda
Se eu ‘tô na rua é foda
É, o mundo roda, ele pode vir pra cá
Não, já, já, meu processo ‘tá aí
Eu quero mudar, eu quero sair
Se eu trombo esse fulano, não tem pá, não tem pum
E eu vou ter que assinar um cento e vinte e um
Amanheceu com sol, dois de outubro
Tudo funcionando, limpeza, jumbo
De madrugada eu senti um calafrio
Não era do vento, não era do frio
Acertos de conta tem quase todo dia
Tem outra logo mais, eu sabia
Lealdade é o que todo preso tenta
Conseguir a paz, de forma violenta
Se um salafrário sacanear alguém
Leva ponto na cara igual Frankestein
Fumaça na janela, tem fogo na cela
Fudeu, foi além, se pã, tem refém
Na maioria, se deixou envolver
Por uns cinco ou seis que não têm nada a perder
Dois ladrões considerados passaram a discutir
Mas não imaginavam o que estaria por vir
Traficantes, homicidas, estelionatários
Uma maioria de moleque primário
Era a brecha que o sistema queria
Avise o IML, chegou o grande dia
Depende do sim ou não de um só homem
Que prefere ser neutro pelo telefone
Ratatatá, caviar e champanhe
Fleury foi almoçar, que se foda a minha mãe!
Cachorros assassinos, gás lacrimogêneo
Quem mata mais ladrão ganha medalha de prêmio!
O ser humano é descartável no Brasil
Como modess usado ou Bombril
Cadeia? Claro que o sistema não quis
Esconde o que a novela não diz
Ratatatá! Sangue jorra como água
Do ouvido, da boca e nariz
O Senhor é meu pastor
Perdoe o que seu filho fez
Morreu de bruços no salmo 23
Sem padre, sem repórter
Sem arma, sem socorro
Vai pegar HIV na boca do cachorro
Cadáveres no poço, no pátio interno
Adolf Hitler sorri no inferno!
O Robocop do governo é frio, não sente pena
Só ódio e ri como a hiena
Ratatatá, Fleury e sua gangue
Vão nadar numa piscina de sangue
Mas quem vai acreditar no meu depoimento?
Dia 3 de Outubro, diário de um detento

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