A morte de Lô Borges, aos 73 anos, neste domingo (2), deixa um vazio na música brasileira, mas reafirma a força de um legado construído com canções que se tornaram parte da memória afetiva do país. Sucessos como “O Trem Azul”, “Paisagem da Janela” e “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo” são apenas a porta de entrada para a obra de um artista que foi, ao mesmo tempo, um gênio precoce e um criador incansável.
Parte fundamental da trajetória de Lô é sua conexão com o Clube da Esquina. Foi a partir dos encontros com amigos no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, que nasceu o movimento. A amizade e a cumplicidade musical com Milton Nascimento foram o eixo dessa união, que culminou no seminal álbum “Clube da Esquina” (1972), onde Lô, com apenas 20 anos, já se destacava como uma das principais vozes e forças criativas.
Ainda em 1972, impulsionado pelo impacto do disco coletivo, ele lançou seu primeiro álbum solo, “Lô Borges”, que ficaria conhecido como o “disco do tênis”. O trabalho é um marco da MPB e mostra a versatilidade de um artista que, mesmo tão jovem, já dominava a fusão do rock com a bossa nova e as harmonias complexas que se tornariam sua assinatura.

As parcerias foram uma constante em sua obra. A mais duradoura foi com seu irmão, o letrista Márcio Borges, com quem escreveu dezenas de canções. Nomes como Ronaldo Bastos e Fernando Brant também foram colaboradores essenciais na construção de seu repertório. Essa capacidade de se conectar com outros talentos atravessou gerações, como prova a parceria com Samuel Rosa e Nando Reis em “Dois Rios”, um dos grandes sucessos do Skank.
Após o auge inicial nos anos 1970, Lô Borges manteve uma carreira com fases distintas, alternando períodos de menor visibilidade com retornos celebrados, como no álbum “A Via Láctea” (1979). Mesmo quando não estava sob os holofotes, sua influência como compositor só crescia, com suas músicas sendo constantemente regravadas e descobertas por novos públicos.
O artista estava internado em Belo Horizonte e a morte foi confirmada pelo hospital Unimed Contorno, em decorrência de falência de múltiplos órgãos. Lô Borges havia sido hospitalizado no dia 17 de outubro após uma intoxicação medicamentosa. De acordo com boletins médicos, o quadro foi causado por remédios de uso domiciliar. Em 25 de outubro, ele passou por uma traqueostomia e desde então respirava com auxílio de aparelhos.
Seus últimos anos de vida foram marcados por uma surpreendente explosão de produtividade. Desde 2019, o músico lançou uma sequência de sete álbuns com material inédito, mostrando que sua veia criativa permaneceu pulsante até o fim.
Sua obra é marcada por canções que equilibram delicadeza poética e sofisticação harmônica, criando melodias que, uma vez ouvidas, se fixam na memória.
Principais sucessos de Lô Borges
“O Trem Azul”
Composta com Ronaldo Bastos para o álbum “Clube da Esquina”, a canção se tornou uma de suas assinaturas. A melodia nostálgica e a letra imagética foram regravadas por nomes como Elis Regina e se tornaram um hino informal para a torcida do Cruzeiro.

“Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”
Outra faixa marcante do disco de 1972, escrita com seu irmão Márcio Borges. A canção é um exemplo da delicadeza poética do Clube da Esquina e foi revisitada por artistas como Silva e Vanessa da Mata.

“Paisagem da Janela”
Com letra de Fernando Brant, a música transforma uma cena do cotidiano de Belo Horizonte em um retrato poético e universal. É uma das canções mais representativas da parceria entre os membros do Clube da Esquina.

“Tudo o que Você Podia Ser”
Embora imortalizada na voz de Milton Nascimento, a composição é dos irmãos Lô e Márcio Borges. Lançada em “Clube da Esquina”, a música fala sobre sonhos e expectativas de uma forma que muitos interpretam como uma sutil reflexão sobre a juventude durante a ditadura militar.

“Para Lennon e McCartney”
Uma espécie de “carta aberta” aos Beatles, ídolos do Clube da Esquina. Composta por Lô, Márcio Borges e Fernando Brant, a música é uma afirmação da identidade sul-americana (“Eu sou da América do Sul / Eu sei, vocês não vão saber”) e uma celebração da cultura brasileira.

“Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor”
Popularizada na voz de Milton Nascimento, a canção foi composta pelos irmãos Borges e descreve com delicadeza as manifestações simples e complexas do amor. Tornou-se um clássico do repertório romântico da MPB.

“Clube da Esquina Nº 2”
Originalmente uma faixa instrumental de Milton Nascimento, a música ganhou letra de Márcio Borges e foi gravada por Lô em seu álbum “A Via Láctea” (1979). A versão com vocais se tornou um hino do movimento e celebra a amizade e a união do grupo.

“Trem de Doido”
Uma das faixas mais psicodélicas e roqueiras do álbum “Clube da Esquina”, composta por Lô e Márcio Borges. A letra faz referência aos trens que transportavam pacientes para o Hospital Colônia de Barbacena, um notório hospício em Minas Gerais.

								
								


