Sons hipnóticos, execução precisa e maestria musical. O público do Lollapalooza, no autódromo de Interlagos neste domingo (30), testemunhou da estreia do Tool em terras brasileiras para um show que valeu a espera de toda uma legião de fãs no encerramento do terceiro e último dia de festival. Foi uma mistura de visuais chamativos com jogo de luzes e lasers, além de um setlist com os maiores êxitos do grupo, com a complexidade musical de Maynard e banda.
Após praticamente 35 anos de banda, Maynard James Keenan (vocalista), Adam Jones (guitarrista), Justin Chancellor (baixista) e Danny Carey (baterista) finalmente desembarcaram juntos no país com sua turnê do disco “Fear Inoculum” (2019), depois de passar pelos Lollapaloozas Argentina e Chile, no último fim de semana.
Para os que já conhecem a dimensão do Tool, principalmente pelas “esquisitices” da banda, não fica difícil entender por que essa vinda ao Brasil foi rara: em anos de carreira, o quarteto sempre manteve controle sobre a indústria musical, e não o contrário. Isso explica, por exemplo, porque até 2019 você não encontrava nada sobre a discografia da banda nas plataformas digitais, assim como perfis em redes sociais ou até mesmo uma gravação oficial dos próprios shows —nem sequer um DVD ao vivo. No palco não é diferente, sem projeções da banda nos telões, apenas efeitos visuais que seguem as artes dos discos lançados.
Poucas bandas cultivam tanto mistério e controle sobre a própria imagem quanto os americanos do Tool, que sempre manteve uma postura indo na contramão das lógicas tradicionais da indústria. Isso também se aplica ao cachê milionário do grupo, um dos fatores que impossibilitavam uma passagem por aqui. Vale lembrar que o vocalista Maynard James Keenan é muito amigo de Perry Farrell (Jane’s Addiction), um dos fundadores do Lollapalooza, outro fator que facilitou para que finalmente fizessem sua estreia.
Aliás, essa não foi a primeira vez de Maynard por aqui, já que o artista esteve em edições passadas do Lollapalooza Brasil, porém acompanhado de seus dois outros projetos que também lidera como vocalista: A Perfect Circle e Puscifer, que tocaram na edição de 2013.
Voltando ao Tool, essa aura de mistério e discrição em torno da banda foi rompido na semana passada, quando inesperadamente o show realizado no Lollapalooza Argentina teve sua transmissão liberada pelo grupo, algo inédito em três décados e que pegou de surpresa até o fã mais fiel do quarteto. Assim como no país vizinho, a performance também foi liberada para exibição no Multishow e Globoplay, por exemplo, mas com o controle sempre feito pela equipe da banda, que não permitiu closes nos artistas, apenas a câmera posicionada a uma distância considerável do palco, em plano inteiro.
Pontualmente às 19h55 o Tool subiu ao palco do Lollapalooza abrindo com “Fear Inoculum”, do álbum homônimo lançado em 2019 e na sequência com a participação surpresa de Jéssica Falchi (ex-Crypta) tocando “Jambi”, do “10.000 Days” (2006). Desde os primeiros acordes de “Stinkfist” (“Ænima”, 1996), o público presente submergiu em uma experiência única onde som, luzes e projeções se fundiram. Danny Carey, com seu protagonismo absoluto, marcou o pulso e dominou a noite com sua técnica. Maynard como sempre, se manteve na penumbra, enquanto sua voz se entrelaçava com os riffs poderosos de Adam Jones e o ritmo preciso de Justin Chancellor no baixo.
“Rosetta Stoned”, também do “10.000 Days” (disco favorito desta que vos escreve), foi uma viagem sonora com efeitos vocais distorcidos e caos controlado. “Pneuma” (“Fear Inoculum”, 2019) e “The Grudge” (“Lateralus”, 2003) demonstraram sua capacidade para criar e destruir atmosferas, enquanto “Parabol” e “Parabola”, também do clássico “Lateralus”, deslumbraram com sua complexidade rítmica.
Diferentemente do prometido para os fãs argentinos, Maynard não falou em uma volta e muito menos encerraram o show com a esperada “Vicarious”, já que o tempo estava se esgotando para dar início ao do Sepultura no palco ao lado. No lugar de “Vicarious”, encerraram com “Flood”, do “Undertow” (1993).
Apesar da frustração de alguns fãs que não deixavam de comentar a substituição da música, o Tool deixou sua marca no Lollapalooza e pela América do Sul, mas principalmente em seus fãs, completamente extasiados ao fim do show e em estado de total arrebatamento, provando que décadas de espera valeram a pena quando se trata de uma das bandas mais brutais e respeitadas do rock progressivo.